terça-feira, 25 de março de 2008

Antigas Visões


Eu apenas consigo, de forma dolorida e silenciosa, prever a cor que brilha lá fora, naquele azul profundo e espalhado, indiferente e superior a tudo, que se joga por trás da torre da igreja do meu pequeno vilarejo.

E no mais, sou apenas um complemento ao equilíbrio satisfatório da luz rarefeita entre uma torre, uma serra e uma floresta de eucaliptos.
Que seja.
Sou o último pensamento no pequeno espaço azul, entre a brecha de uma porta e a vida, ávida, que se descortina além do olhar abstrato. Como uma criança recém apresentada ao mar e a primeira onda que baila afoita entre os dedinhos curiosos. Como o primeiro vôo da andorinha e o último do Beija-Flor. Como o extremo limite do desejo, como o fato consumado, como o passado, como o que não tem volta.
Como o tempo que se perde com o medo.

Como o primeiro amor, para uma vida inteira, que é seguido sempre por tantos amores para uma vida inteira. Porque tudo é sempre definitivo, quando se tem a idade dos sonhos impregnada na tez e na íris.
E tudo que se escreve entre linhas paralelas fica solto entre duas paredes eternas, fixas e cravadas, no mais íntimo desesperar do peso da escravidão.

Liberdade não se consegue com a pena. Palavras só voam quando têm asas ilusionistas. Sendo assim, nada mais me move entre dois mundos, sou desejo renitente lapidado por mil muralhas de pedras e lágrimas... E todas as manhãs, eu não levanto. E todos os dias eu não pergunto se espalharei algum verde-mar por entre olhos alheios. E todos os dias eu não sei por que persisto em tentar o que não poderei conseguir.

Na verdade, não desejo saber as razões pelas quais sou movida.
A Era do conhecimento passou a anos-luz do meu caminho. Não espero mais que a certeza dos meus passos na hora do medo do escuro.
Isso! Não sou mais que retalhos e antigos fósseis de civilizações passadas, versos extintos. Posso, ainda assim, ver fenecer todos os espíritos que trago comigo, como em um furacão ou num raio avassalador, e ainda dessa forma, não serei potencialmente sozinha. Padecerei, sim, nesse dia, de mil ilusões, acompanhada, abraçada e desejada por seres invisíveis que passeiam solenes pelos corredores estreitos de artérias que formam a casa habitada por deuses nus, que bebem vinho, dentro de mim.

Conseguirei então, após séculos, pintar as antigas visões naquele azul profundo, descortinado entre as serras e os meus segredos mais contidos. Num ciclo de neve e fogo, que se situa um pouco mais além da minha visão.

Verei tudo enquanto o tempo voa breve por debaixo dos meus pés.
Estarei, enfim, em paz comigo.
(Jessiely Soares)

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