quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Pedaços




"Minha vida não cabe nos trilhos de um bonde"
(Caio F.)

.


É, há noites em que o sereno invade a sala de estar, mesmo com as janelas fechadas.
Não sei o que há, Baby. Minhas asas andam descolorindo.
Não tenho gosto por cigarros, porém, se eu gostasse, poderia criar uma nuvem venenosa e me afogar em um ritual.
Mas eu realmente não fumo. Tenho gosto por tulipas.
Tulipas não vivem onde mora ausência. Minha sala anda recheada de saudades velozes;

Contudo, certamente não sei se a ausência é apenas de você, sabe? Por entre as pedras soltas, eu acabei descobrindo que ando sumida.
Será que foi o vento de Julho?

Dia desses achei um poema, debaixo de uns livros velhos. Perdi o Leminski que estava lendo, mas guardei a poesia.
E desde essa hora em que o achei, pareceu-me que eu sumia. No começo achei que era viagem... Mas agora vejo que me ausentei.

E em lapsos, tempos em tempos, percebo que sua bagagem seguindo ao seu lado, de ida demorada, levou-me um pedaço.

E, a continuar nesse episódio, sua conexão via celular, me arrancou mais alguns estilhaços.

A julgar daí, todos os momentos, foi como se eu estivesse me desmontando, periodicamente, e alcançando seu gesto de alguma forma: Ora pelos remansos dos rios do Recife, ora pelos pingos de chuva.

A vida é mesmo um desmoronamento progressivo. Eu fui ficando metade, fatia, pó...

E no último dia, antes de vir embora, não percebi ( e nem você ) que eu ficava, completamente carcaça, dentro daquele ônibus, interestadual.


(Jessiely Soares)

domingo, 28 de junho de 2009

Em Junho


Da fogueira, saltos de chuveirinhos.
A ironia da brasa que incandeia teu olho pequeno e a minha saia rodada.
Dentro em breve, tudo será apenas sereno, e o que queimará será frio demais para acender outro fogo de artifício qualquer.

A brasa morta não acende a chama do folguedo. Não ilumina o estradão. Resta à lua cantar a noite pra iluminar a quadrilha.

A música sanfoneia longe, de terreiro a terreiro.
Minha saia rodada, se arrodeia da perna de tua calça. No embalo, tua mão se aproveita para arrodear o meu quadril.

São João adormece de carneirinho no ombro e São Pedro custa a deixar a chuva amortecer as fagulhas restantes.

O junino vermelho dos panos, do amarelo do milho, da agonia das estrelas na cor de estrada na poeira e, da nenhuma cor que compare ao seu sorriso, respiram o dia seguinte, com a enferma melancolia de festa derradeira.

Com o leve adormecer de teus cílios no amanhecer entre as bandeiras...



(Jessiely Soares)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Infantista

.



Não sei.
Hoje amanheceu de Sol, uma grama se insinuou para mim e fui ter com ela.
Sentei, sorrateira, e um grama de saudade me escorreu por entre as pálpebras semi-cerradas.

Me senti amarga.

Não sei, sabe, era alguma coisa que o vento marginal trazia. Um cheiro de fazenda.
Ali, sentada, via as crianças que passavam para a escola de boina quadriculada. O dia quente, crescendo, e eu ali.

Um mundo de formigas veio passear nas minhas sandálias e eu não fiz nada para expulsa-las do meu território.

O mundo era delas, as sandálias, minhas. Elas ficaram de invasoras do meu mundo.

O banquinho mais alto da pracinha inglesa carregava umas marcas feitas a giz, desejei ser Renato Russo, desejei ser pequena, desejei ser minha avó. E ter todas aquelas marcas de tempo.

E aquelas conversas engraçadas que ela tem, quanda fala, fala, fala sobre pessoas que não conheço e não olha direto pra mim...

Eu lembrei de todos os dias naquela casa velha e imensa, das histórias para dormir e de todos os cafés com leite condensado que ela me preparava.
Às vezes eu pedia canela, ela às vezes colocava.

Lembrei do chão. Sabe terra? Areia? pedra? Além da tarde e do parque que estavam, ambos, secularmente, plantados no jardim.

Eu corria a tarde toda (mainha se ia ao trabalho) e vivia, inigualavelmente, toda a confiança que minha avó me destinava.

- "Essa menina é uma peste ", dizia minha tia. (E, sim, eu o era!)
- "Não. Ela é uma menina boa e linda... Olhe os olhinhos verdes e os cabelinhos cacheadinhos dela!" - redarguia minha Amélia.

E eu sentia, além daquele xale xadrez, um peso profundo de amor nos seus ombros.
Sentava então meus olhos em seu colo.

As traquinagens estavam encerradas.

Cinderela me seria companheira. Ela e todas as carruagens e cafés que minha avó inventava, como só ela poderia fazer...

Acordei como de um sonho. Entardeceu em minutos... O dia cantou com voz de cigarra que eu precisava voltar para minha casa.

As formigas acabaram adentrando minhas lembranças.

Eu fiquei doce outra vez.

(Jessiely Soares)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Sobre o amor e outros Mundos.

(Dogmas, certezas e a educação que herdei de minha mãe )


.
“...Vai pelo caminho da esquerda, boy,
que pelo da direita tem lobo mau e solidão medonha."
(Caio F.)




Fui educada para o amor de um jeito errado.

Quando pequena me tilintavam textos. Minha mãe me dizia bons conselhos, desses passados de ancestrais a ancestrais, até alcançar a mediocridade na qual, até antes desse encontro, me encontrava.

Fui, placidamente, educada para o amor dos outros.

Meus doces desvarios, taxados de comportamento errado, eram-me arrancados no calor da brasa.

E os pequenos avivamentos, olhares e sonhos, ficavam intraduzíveis.
Eu fui educada, dogmada, domesticada... Cultuada para o amor.

Amor.

Hoje eu percebo que ele se assentou. Sem muita cerimônia. Bruto.
Ouro que não entreguei.

O amor não é o que me disseram. Ele não é algo simples, sem egoísmo. O amor é cachorro, no sentido violento.

E o que mais me seduz, nesse encanto, é esse gosto de pecado que ele deixa em mim.

Posso contar-lhes dele, sobre ele, sobre os seus anseios, mas, ora... não preciso que me olhem de soslaio. Apenas digo-lhes que ele se assentou, feito pedacinhos de poeira na água límpida.

Se eu contar muito dele, vocês o misturam e ele volta a turvar-se.

Prefiro-o assim, desmistificado, segredoso, quente. Sem boa educação e sem limites de ética.

Sem dogmas, sem Neruda.

O amor é um avivamento dos sentidos. O florescimento do caminho de esquerda.


(Jessiely Soares)