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Tudo era branco ao redor. Tudo silencioso, a não ser pelo respirar profundo do meu avô e pelo monitor de frequência cardíaca, também por uma ou outra enfermeira que entrava no apartamento e tirava minha concentração.
Fora isso, tudo era silêncio.
Pensamento, esse que não controlo, viajava.Deliberadamente a fim de me fazer sofrer. “Deus, o tempo voou... Olha só o que resta de meu velhinho.”
Às vezes ele abria um pouco os olhos e sorria. Não com os lábios porque o tubo inserido na boca não o permitia a menor expressão labial. Ele me sorria com a pupila.
Um grupo de médicos argentinos, já havia advertido de que provavelmente, muito provavelmente, ele não me reconhecia. – Mal de Alzheimer - disse o mais alto.
Calei e raciocinei. É injusto! - repetia baixinho. - Muito injusto!- Porém não tendo como ajudá-lo e a esta altura já decida a não chorar, retomei minha leitura.
O livro tinha algo sobre guerra e paz. Sei que havia romance no meio, mas eu não conseguia me prender ao sentido. Lia por ler, apenas por ler.
Finalmente dispersa em pensamentos, adormeci.
Despertei minutos depois, com um barulho de engasgo e de algo que batia com força, levantei de um pulo e quase escorreguei na pantufa. Observei meu avô que se debatia na cama enquanto mudava levemente de tonalidade, desesperada corri de encontro à porta, que dava para o Posto de Enfermagem. Chamei, gritei, quase xinguei e ninguém aparecera. Nenhuma daquelas enfermeiras que sempre surgiam no momento mais impróprio em que finalmente estava conseguindo cochilar ou que a leitura estava interessante. – Deus! O que faço? – Segurei a mão de vovô, que simplesmente parou de se debater. Estava pálido, inconsciente.
Caí em mim e desabei atônita ao seu lado. As lágrimas jorravam... Sabia que ali terminara a saga de um Nordestino arretado que passeava comigo na carroça de feira no fim da tarde, ao redor da fazenda. Que fazia dobradura de barquinhos e construía pipas, mesmo com mamãe falando que pipa era coisa de menino.
Fitei-o com carinho, alisei os alvos e poucos cabelos. Sua respiração era mais lenta. Não sei da frequência cardíaca, não reparei. Ainda perdida, olhei ao redor e notei que o livro estava caído no chão, abaixei e o apanhei. Curiosamente, em meio a um turbilhão de sofrimentos consegui ler um trecho:
“... Olhei em seus olhos e disse: - Vai meu bem, pode partir, não sofra em sua passagem, eis que sua missão terminou. Siga em paz, mas deixe que seu espírito cuide de meus filhos...”.*
Abaixei a cabeça. Beijei meu avô. Fui à busca da equipe de enfermagem.
As flores que usamos no velório também eram brancas.
Vovô partiu em paz.
(Jessiely Soares)
* O livro em questão é da escritora americana Danielle Steel.
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