quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Revoada


Alguns gestos esperançosos largados pela janela e a vastidão de tudo abraça aquela pétala.

Não, não foi flor que abriu as asas e voou. Foram os olhos dela.

De partida, alguns lenços desbotados sobre a espessura rachada da mesinha. Sabe como é, pequenas relíquias partidas, algumas manchas no carpete e um bom soneto...
Para as luas indevidas.

Coube ainda um raio furta-cor, que caiu como vento de Julho sobre os cabelos. Um tom de sobremesa e dois versos de ilusão.
Não era fúnebre, era de uma melancolia profundamente despida de beleza.

E, de tanta beleza, com uns acordes que não me recordo, me corroia.

Fui abandonando em pequenas poças de lama, aqueles pedidos que ela me fez quando pela primeira vez viu os meus olhos: "casa rosa-chá, álbum de gravuras, pequenas porcelanas aplicadas nas paredes da cozinha branca"

E os sentidos, já isentos de qualquer iluminação poética, espalharam manhãs por aquela noite indecisa que se atrevia além da coluna de vidraças.

"Que se faça saudade."

Foi isso. E nunca mais brilhou a íris sobre a minha tez.

Sobraram uns gestos esperançosos largados pela janela e, dizem, que uma revoada de borboletas fincou raízes naquela noite, no jardim alterado, nas últimas luzes de um dia triste enquanto os desejos partiam, lá em casa.


(Jessiely Soares)