sexta-feira, 4 de abril de 2008

Atlas



O ruim de ter o mundo nas mãos é que há uma hora em que a gravidade age e as forças se vão.
Daí pra frente, tudo o mais é um encontro revolto de águas, um barulho doloroso de chuva e um raio fino de solidão que teima em estabelecer-se entre o fim da tarde e o começo da manhã.
Nessas horas, o perigo aumenta, há sempre vozes nos espelhos e vultos nos armários.
A angústia é a madeira do assoalho rangendo, o teto balançando com qualquer vento e tudo mais em murmúrio.
Os templos estão longe demais daqui.
Não avisto mais as ruínas.
Não há sequer quem devore meu fígado.
É quando todo o paraíso parece ópio. Quando todo medo parece fútil. Quando toda vida parece morte.
Todos os lagos não espelham mais o Céu e todas as bebidas do mundo não possuem efeito. Não, elas não me adormecem.
Nesses dias precários, não me acodem nenhum tango, nenhuma melodia... Nem soa mais a tua voz.
E perco, subitamente, o meu último risco. Do corpo inerte, despede-se o último sopro de humanidade convertido em sal.
Tudo está consumado. Caiu-me o mundo das mãos.
Sou mortal, novamente.



(Jessiely Soares)

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