sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Carta


*

Eu preciso bradar. Não pelo valor do grito, mas pelo desespero faminto de me fazer capaz de curar desses tremores que me matam.
Os valores estão vencidos, você percebe? As marcas estão expostas e são profundas. Tudo está em inversão.
Eu não prostituí meu verbo. Carrego a fadiga e as chagas de não ter vendido meu corpo de texto aos desejos ambíguos do maior, com o mais alto poderio bélico. Maculei meus segredos na guerra fria, morri muitas vezes.
Mas eu rasguei, e me orgulho, os meus púlpitos e discursos bonitos. Não me convém a educação, tampouco me sensibiliza a diplomacia hipocondríaca dessas manhãs poluídas de domingo.
E eu brado.
Do parapeito da consciência eu brado como cão de caça. Como noite que avança barulhenta sobre os pensamentos em desalinho da cidade que não dorme nunca.
Eu brado pela maldita comodidade dos que vêem a vida por trás de um vidro blindado.
O que me consome é a sumária invisibilidade dos alicerces. O que me revolta é a dor de ver padecer os que trabalham, os que criam, os que fazem uma revolução diária e silenciosa. Pequenos e vitais como átomos.
O que me magoa é a morte. E a impossibilidade deixada para nós em face dela.
As mãos são tão pequenas e não afagam as dores da alma.
As vidas são vãs. Elas partem.
Queria pintar a cara e sair às ruas, gritando, que o que importa é pequeno e invisível.
Não me dariam atenção, taxar-me-iam de louca, mas eu poderia, finalmente, assassinar o demérito com que tratam quem padece de compaixão pelo seu próximo.
E me livrar, por fim, desses tremores por justiça que me assaltam, no meio da tarde de quarta, enquanto eu estou no trabalho
.Jessiely Soares.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Desvio

O que explode lá fora é só arrebol.
E, quando, maternalmente, meu espírito canta, as palavras-meninas se debruçam na janela a banharem-se de luar. Sob a luz incidente do Sol elas se negam a nascer... "Retinas sensíveis" me repetem entre pequenos e leves gestos infantis.
Eu aceito e acredito.
Só converso com a noite. Teimo em ver estrelas marejadas, Luas solitárias e cometas doidivanas a morrer depois da cúpula; onde dois precipícios decidem esperar a morte do tempo.
Por questões de segurança resolvi ser muda durante o dia. Minhas palavras são pontiagudas.
Não é fácil nascer triste.
Queria fazer poesia falando de céu azul, sentada debaixo do Flamboyant lá no fundo do quintal.

(Jessiely Soares)


Imagem daqui, partes design!

:)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Das horas em que não minto

.

Ontem eu fingi. Fingi pra minha filha que estava zangada com ela.
Mas, sabendo que fui criança entendi perfeitamente quando ela chorou... É traumático querer guaraná e descobrir que não poderá bebê-lo porque está gelado. A gripe cortou o barato da minha pequena.
Briguei sério com ela.
Não me arrependo, estou educando-a na sublime arte de esconder os sentimentos e ser medíocre... Sociedade, sociabilidade.
"Humano, demasiadamente humano" diria Nietzsche .
Também fingi, para alentar a minha mãe, quando disse que aquela blusa rosa-pálido que ela me deu, era linda! Mesmo que eu tenha achado feia, sem corte, sem jeito e mesmo que eu nunca tenha a usado, a não ser, para arrumar a casa... Mas, tadinha, foi com amor. Eu não podia magoá-la.
Sociedade, amor, compreensão.
Mas, não sei fingir quando estou triste.
É um entardecer, compreende? Eu fico rubra, melancólica, calada. Vou anoitecendo, anoitecendo. Quando acordo é madrugada e não sei mais retornar.
Perco as sandálias, o sangue.
Tristeza, ao menos a minha, é como lançar olhares enfurecidos a uma estrela. Que, por não saber ser diferente, brilha demais quando eu quero tudo escuro.
E, também não sei esconder amigdalite.
Dói quando engulo qualquer coisa e, a febre me dá dor de cabeça.
Eu fico ainda mais madrugável em dias de febre, dor e tristeza.
E hoje, note, hoje amanheci triste e com amigdalite.
Tomara que a noite seja nublada.
(Jessiely Soares)