*
Eu preciso bradar. Não pelo valor do grito, mas pelo desespero faminto de me fazer capaz de curar desses tremores que me matam.
Os valores estão vencidos, você percebe? As marcas estão expostas e são profundas. Tudo está em inversão.
Eu não prostituí meu verbo. Carrego a fadiga e as chagas de não ter vendido meu corpo de texto aos desejos ambíguos do maior, com o mais alto poderio bélico. Maculei meus segredos na guerra fria, morri muitas vezes.
Mas eu rasguei, e me orgulho, os meus púlpitos e discursos bonitos. Não me convém a educação, tampouco me sensibiliza a diplomacia hipocondríaca dessas manhãs poluídas de domingo.
E eu brado.
Do parapeito da consciência eu brado como cão de caça. Como noite que avança barulhenta sobre os pensamentos em desalinho da cidade que não dorme nunca.
Eu brado pela maldita comodidade dos que vêem a vida por trás de um vidro blindado.
O que me consome é a sumária invisibilidade dos alicerces. O que me revolta é a dor de ver padecer os que trabalham, os que criam, os que fazem uma revolução diária e silenciosa. Pequenos e vitais como átomos.
O que me magoa é a morte. E a impossibilidade deixada para nós em face dela.
As mãos são tão pequenas e não afagam as dores da alma.
As vidas são vãs. Elas partem.
Queria pintar a cara e sair às ruas, gritando, que o que importa é pequeno e invisível.
Não me dariam atenção, taxar-me-iam de louca, mas eu poderia, finalmente, assassinar o demérito com que tratam quem padece de compaixão pelo seu próximo.
E me livrar, por fim, desses tremores por justiça que me assaltam, no meio da tarde de quarta, enquanto eu estou no trabalho
.Jessiely Soares.