quarta-feira, 21 de maio de 2008

Futuras lembranças II

Dos sonhos nasceram os filhos... Um a um. Dois. Quisera Deus que não fossem gêmeos, quisera. 
Acostumaram-se cedo, ao rosto estampado do pai entre os lençóis nos finais de semana e aos reclames costumeiros da mãe, pela sandália que ficava no corredor e pela camisa estendida nas costas da cadeira... 
Adormeciam aliciados pelo velho costume do rádio ligado do lado da cama. Que também seriam saudades, da terra amada mas deixada pelo pai, que há tanto havia se acostumado a serras e frio.
Pedaços de vida espalhados pela casa.
O campo sorria-lhes, as praças, os bancos, as fotografias e os brinquedos. O circo armado com lençóis, as histórias nas noites de chuva, e o beijo deixado na cama antes de caírem nos braços dos sonhos.
E os poemas.
No quarto, depois do sono, depois da vida, depois do jantar, depois do curso. Eram acalentados pela voz e pela poesia, como se nada mais lhes preenchessem as artérias. Dessas noites, azuis, restariam fotografias em preto e branco e algumas histórias.
Nas manhãs de carnaval eram, os filhos, coloridos pelos velhos vestidos da mãe, forrados de cetim e pintados de palhacinho e bailarina. 
Nas madrugadas, eram calor sob o lençol, abraço ternos de aconchego e de carinho. Eram pais e filhos. Pelo resto de seus caminhos.
Enquanto o cheiro do café se espalhava pela casa e pela rua, e os pães, assavam num misto de ventura e vida, as manhãs tomavam forma. Os vinhos envelheciam na adega a espera das formaturas, dos aniversários, das angústias e dos netos que nasciam, nasciam, e cresciam cantando hinos à imensidão e às verdades, como gemas raras que se pronunciam no peito.
E, nas mutáveis manhãs de inverno, a cerração cobria a serra. A vida, não.
O eterno ainda fumegava nos empoeirados móveis antigos da sala de jantar, no vazio dos corredores e nas velhas histórias, com os netos no colo.


(Jessiely Soares)

0 comentários:

Postar um comentário