sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Carta


*

Eu preciso bradar. Não pelo valor do grito, mas pelo desespero faminto de me fazer capaz de curar desses tremores que me matam.
Os valores estão vencidos, você percebe? As marcas estão expostas e são profundas. Tudo está em inversão.
Eu não prostituí meu verbo. Carrego a fadiga e as chagas de não ter vendido meu corpo de texto aos desejos ambíguos do maior, com o mais alto poderio bélico. Maculei meus segredos na guerra fria, morri muitas vezes.
Mas eu rasguei, e me orgulho, os meus púlpitos e discursos bonitos. Não me convém a educação, tampouco me sensibiliza a diplomacia hipocondríaca dessas manhãs poluídas de domingo.
E eu brado.
Do parapeito da consciência eu brado como cão de caça. Como noite que avança barulhenta sobre os pensamentos em desalinho da cidade que não dorme nunca.
Eu brado pela maldita comodidade dos que vêem a vida por trás de um vidro blindado.
O que me consome é a sumária invisibilidade dos alicerces. O que me revolta é a dor de ver padecer os que trabalham, os que criam, os que fazem uma revolução diária e silenciosa. Pequenos e vitais como átomos.
O que me magoa é a morte. E a impossibilidade deixada para nós em face dela.
As mãos são tão pequenas e não afagam as dores da alma.
As vidas são vãs. Elas partem.
Queria pintar a cara e sair às ruas, gritando, que o que importa é pequeno e invisível.
Não me dariam atenção, taxar-me-iam de louca, mas eu poderia, finalmente, assassinar o demérito com que tratam quem padece de compaixão pelo seu próximo.
E me livrar, por fim, desses tremores por justiça que me assaltam, no meio da tarde de quarta, enquanto eu estou no trabalho
.Jessiely Soares.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Desvio

O que explode lá fora é só arrebol.
E, quando, maternalmente, meu espírito canta, as palavras-meninas se debruçam na janela a banharem-se de luar. Sob a luz incidente do Sol elas se negam a nascer... "Retinas sensíveis" me repetem entre pequenos e leves gestos infantis.
Eu aceito e acredito.
Só converso com a noite. Teimo em ver estrelas marejadas, Luas solitárias e cometas doidivanas a morrer depois da cúpula; onde dois precipícios decidem esperar a morte do tempo.
Por questões de segurança resolvi ser muda durante o dia. Minhas palavras são pontiagudas.
Não é fácil nascer triste.
Queria fazer poesia falando de céu azul, sentada debaixo do Flamboyant lá no fundo do quintal.

(Jessiely Soares)


Imagem daqui, partes design!

:)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Das horas em que não minto

.

Ontem eu fingi. Fingi pra minha filha que estava zangada com ela.
Mas, sabendo que fui criança entendi perfeitamente quando ela chorou... É traumático querer guaraná e descobrir que não poderá bebê-lo porque está gelado. A gripe cortou o barato da minha pequena.
Briguei sério com ela.
Não me arrependo, estou educando-a na sublime arte de esconder os sentimentos e ser medíocre... Sociedade, sociabilidade.
"Humano, demasiadamente humano" diria Nietzsche .
Também fingi, para alentar a minha mãe, quando disse que aquela blusa rosa-pálido que ela me deu, era linda! Mesmo que eu tenha achado feia, sem corte, sem jeito e mesmo que eu nunca tenha a usado, a não ser, para arrumar a casa... Mas, tadinha, foi com amor. Eu não podia magoá-la.
Sociedade, amor, compreensão.
Mas, não sei fingir quando estou triste.
É um entardecer, compreende? Eu fico rubra, melancólica, calada. Vou anoitecendo, anoitecendo. Quando acordo é madrugada e não sei mais retornar.
Perco as sandálias, o sangue.
Tristeza, ao menos a minha, é como lançar olhares enfurecidos a uma estrela. Que, por não saber ser diferente, brilha demais quando eu quero tudo escuro.
E, também não sei esconder amigdalite.
Dói quando engulo qualquer coisa e, a febre me dá dor de cabeça.
Eu fico ainda mais madrugável em dias de febre, dor e tristeza.
E hoje, note, hoje amanheci triste e com amigdalite.
Tomara que a noite seja nublada.
(Jessiely Soares)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Revoada


Alguns gestos esperançosos largados pela janela e a vastidão de tudo abraça aquela pétala.

Não, não foi flor que abriu as asas e voou. Foram os olhos dela.

De partida, alguns lenços desbotados sobre a espessura rachada da mesinha. Sabe como é, pequenas relíquias partidas, algumas manchas no carpete e um bom soneto...
Para as luas indevidas.

Coube ainda um raio furta-cor, que caiu como vento de Julho sobre os cabelos. Um tom de sobremesa e dois versos de ilusão.
Não era fúnebre, era de uma melancolia profundamente despida de beleza.

E, de tanta beleza, com uns acordes que não me recordo, me corroia.

Fui abandonando em pequenas poças de lama, aqueles pedidos que ela me fez quando pela primeira vez viu os meus olhos: "casa rosa-chá, álbum de gravuras, pequenas porcelanas aplicadas nas paredes da cozinha branca"

E os sentidos, já isentos de qualquer iluminação poética, espalharam manhãs por aquela noite indecisa que se atrevia além da coluna de vidraças.

"Que se faça saudade."

Foi isso. E nunca mais brilhou a íris sobre a minha tez.

Sobraram uns gestos esperançosos largados pela janela e, dizem, que uma revoada de borboletas fincou raízes naquela noite, no jardim alterado, nas últimas luzes de um dia triste enquanto os desejos partiam, lá em casa.


(Jessiely Soares)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sobre as estrelas do meio dia




Ele não disse muita coisa.
Moleque de fim de tarde, chegou calado, malandro. Deitou a cabeça em seu colo e adormeceu.
Não sem antes fazer um arco de anjos voláteis passearem pela neblina.

Era noite quando o sono retirou-se do aposento. Na varanda duas estrelas brincavam com as corujas.

Ela segurou suas mãos, sorriu os olhos de mar naqueles olhos de fruta-madura e penduraram um pano florido de chita na janela.
E foi tanto mistério de chuva fina que a primavera nasceu veloz.

De cílios e sorrisos, varal de noites calmas, nunca mais aquele peito hibernou.



(Jessiely Soares)




Foto de: »»SCALABITANO««

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Sobre plantas, rochas, água e inocência.





Por um motivo que eu não explico, a gente adora mato, riacho, bicho e orquídea. Adora pisar em chão de barro, parar no meio do caminho para descobrir a curva do riacho, ouvir o borbulhar da fonte, o barulho do córrego.

Por algum motivo que, juro, não sei explicar, amamos andar devagar e procurar flores pequenininhas e orquídeas... borboletas, rochas, pássaros e árvores.

Eu não sei explicar, porque é tão doce observar as palmeiras imperiais e os pardais em revoada sobre a copa da castanheira, do lado da nossa janela.

Eu não sei, mas a minha pequena sabe.

Me disse, semana passada, numa conversa séria depois do passeio, sentada num banquinho da cozinha, que aquela flor roxa tinha um rostinho lindo e que aquela água fazia um barulho gostoso.
Que o passarinhos voavam assim, assim e assim, e cansavam e pousavam assim, assim, e aquilo era muito bonito!
Que amava o beija-flor e que ele sempre "comia" a "flor" da roseira. Que estava com saudades dos cavalos e das plantas e das rochas.

E que gostava do Sol, mesmo quando ele estava no Japão e a lua e as estrelas ficavam cuidando do céu.

Então, ainda não sei explicar...
Mas, graças a inocência da minha filha de três anos, eu agora sei entender.


(Jessiely Soares)
*Nós duas. Foto: Mary (Mainha)

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Piedade




Que foi feito daquele velho lençol de poeira que guardava sob nosso pensamento? Hoje vasculhei minh'alma inteira e não o pude encontrar.
Você varreu meus desatinos?

Ontem, encerrei meu desejo. Guardei na quina do bar de cerejeira o meu último gole de uísque. Não falarei mais sobre você aos meus desafetos.

Para que? Você deixou a carta do blefe e fugiu com a jogada. Como pôde?

Agora, estou vaga:semi-nua, semi-deusa, semi-pedra-preciosa e, posso contar ao vento que tua voz é oca, que teu canto é triste, que em teu peito jaz uma flecha envenenada.

Mas você não morre.Não tem coração.
E, só por clemência, no dia da partida, não matasse o meu.

- Por piedade, te deixo a alma - me disse.

Quando atravessou a rua, tudo ecureceu, ficou o teu fel no meu peito.Você roubou a minha íris.

Como pôde?



(Jessiely Soares)

domingo, 10 de agosto de 2008

Episódios verídicos de inverdades.



Dia desses, eu sei, bem sei, você pira. Deixa esse uísque falsificado, esse vinho barato, esse gosto pela boemia e por Nelson.
Dia desses, você deixa seu sotaque e pega um sonho na palma da mão, assim, macio.
Eu sei, Baby. Reconheço que você é lindo e que esse seu cabelo enroladinho me tira do sério. Mas, você há de convir, que suas promessas não têm calibre e confessar logo que eu vou ficar só... no meio de uma poesia.
E daí? Castigo! Já roubei poesias de outras musas, lembra?
Alguém, (que terá que ter olhos verdes) ainda sentará na sua cama pra te ouvir, sério, recitar um verso bandido. Depois, vai olhar no teu olho que, sensível, faz pairar uma revolução de fragmentos e melancolias seculares.
Eu não sei como você consegue.
Ela também não saberá...
O fato é que, depois que você deixar esse uísque falsificado, esse vinho barato e esse gosto pela boemia e por Nelson, eu já terei aparecido como moça decidida: Comprado uma vida nova, um novo par de tênis, uns livros científicos e - não, não olhe agora, que estou chorando - sumido na última curva, aquela das tua juras eternamente esquecidas.
Ficarão teu jeito de sorrir e a maciez dos sonhos e, quem sabe, alguma trilha sonora que te assombrará nas noites mais longas e frias da sua jornada.
Como esse meu desespero insone, às 4 da madrugada.
(Jessiely Soares)

domingo, 3 de agosto de 2008

Sangria - ( Maria Júlia )


*

Se me falha o choro
É porque em preces entreguei
Meu amor estranho
Aos luares duplos
Das noites de Abril,

Se me chega o riso
Emparedado por lembranças
De cachoeiras e redes
Que não terminamos de tecer,
Calo-me, febril,

E embalo inconscientemente
Os pecados desprovidos
De perdões que transbordam
- Sangria de lágrimas -
Açudes outrora plácidos,

Sucumbida pela aflição
E a falta de abraço,
Calo-me, e chovo
Pedaços de mim.


(Maria Júlia)


*inspirado numa conversa com Jessy e Beto.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Antigas Noites Brancas*




- ... alô...
- Oi... Já viu a lua hoje? Tá linda...
- Hmmm... Tipo, são quase 5 da manhã. Ainda tem lua lá fora?... Você bebeu?
- ...
- Bebeu?
- Não. Li, Dostoiévski.
- hmmm?
- E aprendi toda aquela parada que você falava sobre valer tudo à pena, tudo ser eterno num segundo. E sobre as cores que não morrem quando a noite chega, mesmo quando está chovendo, e sobre as estrelas cadentes e o vinho do porto e os desejos adolescentes e as manhãs de domingo e o incontável, o impagável, o imprevisível e ainda pior, o previsível. E sobre a esperança e o desencontro, a lágrima, o adeus, a saudade, a vida, a infância, a praça que tinha um coreto que você corria dentro e espantava os passarinhos, o deserto, o universo, o mar e o fato de que eu precisava saber beber pra não passar vergonha na volta pra casa e o caso da margarida roubada que eu nunca quis roubar porque ela é uma flor feia e porque roubar é feio – e eu sei, eu sei, que você falou que as flores feias também falam com você – e da decadência espiritual e do passeio noturno pela ponte e sobre Elvis.
Eu o ouvi.
- Tem um barulho de chu...
- Tem.
E eu roubei.
To aqui, no meio da chuva, embaixo da sua janela. E eu roubei a margarida que você queria. Eu ainda a acho feia, mas roubei.
E se você pudesse sair e esperar a lua sair da toca do breu e receber a margarida eu poderia te contar que sonhei com você e que chorei quando Nástienka foi embora, pensei que você poderia ir embora e eu não te perdoaria. E doeu.
- Hmmm
- Você viria?
- Não.
- Não? Mas, mas, a margarida?
- Eu fui embora. Você não me perdoaria.
A pedra atravessou a janela, a margarida caiu desfolhada e ele atravessou a rua.
Decidiu que amor era bicho macabro, mudou de vida.
Era uma segunda-feira.
- Droga.
E com ele, sobre a ponte, iam só a luz amarela e o sorriso triste, dela.
(Jessiely Soares)




* Noites Brancas é uma obra do escritor Fiódor Dostoiévski. O livro que mais aproxima Dostoiévski do romantismo, foi escrito em 1848, antes de sua prisão.

****
Meu texto está todo baseado nesse conto lindo, lindo, lindo! Não sei se ficou claro. Pra mim, ficou, mas eu tentei passar da melhor forma

sábado, 31 de maio de 2008

Pacto de amor sem fim.




Não se engane, esses olhos verdes nem sempre me refletem e a noite ainda não me revelou. Tenho mistérios guardados a sete chaves, dentro de uma velha garrafa, na minha caixa de sapatos e recados escondida no fundo do armário de cerejeira.

E te conto onde me guardo porque não tenho medo de que me descubras. Você não subiria até meu sótão apenas para me ler, não iria tão longe por mim.

Um dia desses, te narro meus últimos feitos e você vai sorrir. 
Pouco me importa, não vim até aqui pra te encontrar nem pra beber do seu uísque. Eu vim porque gosto do seu cabelo assanhado e do teu olhar de menino - E pelo fato de que te pinto da forma que eu quero, e na verdade, bem verdade, eu sempre arranco esse teu cd de jazz e coloco outro. Qualquer outro, mas arranco esse. Também te jogo um brinco, uma tatuagem. Uma camisa florida. Você canta Elvis pra mim e eu danço.

Mas, de tudo, o que mais me fascina, é quando você, rendido, encosta seu pé quente no meu pé gelado, e me tira o vinho das mãos. Me aconchega sutil no canto da cama, da mesa, do sofá.
 
Me pede pra ser poetisa e te dizer uns versos bem clichês... E eu digo.
Então, sinto teu medo palpitar na minha mão e adormeço.
Parto. Retorno.
Por teu cabelo assanhado e por teu olhar de menino.

No dia em que você crescer, não volto aqui, terá partido toda a graça desse desencontro.
(Jessiely Soares)

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Da noites que morrem.




Quem poderia acreditar que a noite de fogo, não nasceria?
Lá fora a lua jaz em um aquário e todas as estrelas choram. Apagou-se a luz.
Quem agora, abriga o seresteiro? A chuva cobre sua face, molha o violão *"...O Perfume que roubam de ti, ai..." ele tem o rosto exposto ao sereno, sem saber para onde correr o olhar.

Acima de si, Sol, dia azul e chuva.

- Morreu - bradou o bêbado - a luz do seresteiro! A amante do poeta!

Tomado por um momento de lucidez pavoroso demais para ele, sentiu, dolorosamente, o peso daquela súbita e maldita sobriedade.

Deixou, então, cair a sua garrafa sob a ponte para depois ir afogar-se junto. Não cabe sobreviver a luz do Sol eterno - não é seu habitat. É filho dos cabarés e do vício. Não se pode alimentar a morte debaixo dos olhos durante o dia. Com tanto azul, ela morre de tédio.

Morte gosta é da luz amarela dos postes, na rua banhada de luz de luar
E morreu a lua.
Morrerão os seres.
E não se ouvirá mais chorinho, não se saberá mais de estrelas, ninguém mais verá o seresteiro.

Partiu a noite, bem na noite em que eu estava de partida para os seus braços.

(Jessiely Soares)





*"...O Perfume que roubam de ti, ai..."
(As Rosas não Falam, Cartola)

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Reencontro




Vicejava o jardim
Feita de pedra e conhecida por ser mal assombrada, erguia-se imponente a casa da esquina.
Nove cômodos, sem incluir o oitão. A moradia abrigava grandes janelas em arco donde pendiam velhas cortinas gastas e descoradas.
Na parede do muro, imperavam samambaias e outras trepadeiras.
Ostentava, debaixo da Figueira, dois bancos iguais de toras, sobre o chão, colorido de folhas secas e forrado de grama baixa, sorriam pequenas flores feias.
E foi assim, num dia de Sol à meio céu, em que ela se reaproximou da casa. Coração pulava na palma da mão, por não ter moradia no peito.
Sentiu de novo o cheiro de canela e de madeira. Viu a antiga cor das pitangas, na única pitangueira sobrevivente, e o suave balançar dos lençóis nos varais.
Caminhou em passos firmes por toda a casa, mesmo sem ser convidada a entrar, mas, agora, não havia mais a cristaleira com as fotos da família. Nem a louça inglesa.
E quem seriam aqueles meninos? Não recordava de tê-los conhecido.
Só um cantinho guardava pequenas memórias. Viu então sua cama, sua penteadeira, seus dois livros de Machado de Assis e o retrato de sua avó, sorrindo um sorriso de xale.
E por um momento nem parecia que era noite em seu destino, nem parecia que tinha partido sem razão, nem parecia que não tinha deixado saudades.
Por um momento breve nem parecia que tinha morrido.
(Jessiely Soares)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Futuras lembranças - I



Um dia, quando os teus anos começarem ser cerceados pela vida, e teus olhos tiverem o brilho do arrebol e o peso de uma existência, teus passos não serão tão firmes e tuas palavras, mais baixas, ditas em um sussurro quase inaudível.

Teus erros serão mais amenos, tuas distâncias menores, teus cabelos terão a cor da brisa... Aninhada nesses fios, de constante embaraço esvoaçante.

Os teus sorrisos serão mais largos e um pouco mais abertos, quase bobos. Haja visto que os descendentes estarão sempre fascinando-nos com suas novidades - esses meninos de hoje - coisa que certamente disseram também de nós, em algumas décadas passadas.

E os teus desejos serão simples.
E as tuas lembranças, páginas em sépia.

Então, eu sentarei ao teu lado, lá no alto, no chalé da montanha e observarei contigo adiante na aléia o último passeio do girassol, o sorriso matreiro das marias-sem-vergonha, e o nascer da Lua Cheia, por detrás dos eucaliptos.

E teu olhar terá, ainda mais, o peso da vida, da existência e das muitas luas passadas.

Mas tua alma, de uma cor verde-água, semi-transparente, terá a idade do amor.

Estará presa à minha mão, a sua. Mesmo quando a vida vier aparar as arestas dos arredores dessas nossas montanhas, recortadas pela mão de um artista talentoso.

Será o último selo do álbum do destino, mas minha mão não se desviará da tua.
Nem mesmo nesse momento.


(Jessiely Soares)

Futuras lembranças II

Dos sonhos nasceram os filhos... Um a um. Dois. Quisera Deus que não fossem gêmeos, quisera. 
Acostumaram-se cedo, ao rosto estampado do pai entre os lençóis nos finais de semana e aos reclames costumeiros da mãe, pela sandália que ficava no corredor e pela camisa estendida nas costas da cadeira... 
Adormeciam aliciados pelo velho costume do rádio ligado do lado da cama. Que também seriam saudades, da terra amada mas deixada pelo pai, que há tanto havia se acostumado a serras e frio.
Pedaços de vida espalhados pela casa.
O campo sorria-lhes, as praças, os bancos, as fotografias e os brinquedos. O circo armado com lençóis, as histórias nas noites de chuva, e o beijo deixado na cama antes de caírem nos braços dos sonhos.
E os poemas.
No quarto, depois do sono, depois da vida, depois do jantar, depois do curso. Eram acalentados pela voz e pela poesia, como se nada mais lhes preenchessem as artérias. Dessas noites, azuis, restariam fotografias em preto e branco e algumas histórias.
Nas manhãs de carnaval eram, os filhos, coloridos pelos velhos vestidos da mãe, forrados de cetim e pintados de palhacinho e bailarina. 
Nas madrugadas, eram calor sob o lençol, abraço ternos de aconchego e de carinho. Eram pais e filhos. Pelo resto de seus caminhos.
Enquanto o cheiro do café se espalhava pela casa e pela rua, e os pães, assavam num misto de ventura e vida, as manhãs tomavam forma. Os vinhos envelheciam na adega a espera das formaturas, dos aniversários, das angústias e dos netos que nasciam, nasciam, e cresciam cantando hinos à imensidão e às verdades, como gemas raras que se pronunciam no peito.
E, nas mutáveis manhãs de inverno, a cerração cobria a serra. A vida, não.
O eterno ainda fumegava nos empoeirados móveis antigos da sala de jantar, no vazio dos corredores e nas velhas histórias, com os netos no colo.


(Jessiely Soares)

Futuras lembranças III


“... Céus de flores vêm descendo...”
...E então, amor, um dia seremos novamente só nós dois. Não mais as madrugadas enrugadas sob o teto, nem as manhãs coloridas de carnaval... Seremos dois, infinitos, no ponto mais extremo de um cometa.
Das figuras mais distantes sob a mesa, quando éramos dois antigos sonhadores, restarão os símbolos, os afagos e as cumplicidades... Coisas que pouco cabe num álbum de retratos, mas que se encaixam com maestria numa luz néon no palco de doloridas saudades.
Seremos astros de conversas familiares e de sorrisos de filhos e compadres.
Mas, seremos unicamente depois do último anoitecer da estrela dessa vida.
E então, sim, seremos só nós dois. Sentados a uma pedra no alto de uma alameda de tulipas, tal qual Amsterdã, enquanto tudo o mais se contorce em brisa, brisa de rio, brisa que canta os últimos cantos gregorianos sem sonhos nem sons.
Nessa hora, enquanto a noite desce e cai, num céu de cem luas, teremos o mundo aos nossos pés. Enquanto lá, em nossa antiga casa, ainda fumega o café e as lembranças de tudo que foi nosso, narrado em lágrimas aos nossos pequenos herdeiros de sonhos...
- Ah, meus filhos, quando os seus avós eram vivos...

(Jessiely Soares)

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Olhos da Alma


Chove.
O Solo rachado despedaça-se ao contato com as grossas gotas de chuva que fazem da paisagem mórbida um cenário impressionista, bonito de ver.
As nuvens se formam no alto da serra e escorrem, vagarosamente, eriçando o sertanejo mais jovem e comovendo o mais idoso.
E quão grato fica o povo sofrido por aquela chuva!
Os meninos brincam nas calçadas com frascos de xampu e os homens sorridentes tomam pinga. As mulheres pousam calmas à varanda e, ora ralham com os filhos, ora sorriem dos maridos.
Os mais idosos aninhados em cobertas, deliciam-se com a paisagem, enquanto contam causos da chuva que inundou a cidade no inverno de 1988...
E naquele momento, todos olham gratos àquela santa precipitação.
Menos Maria. Ela não pode ver a chuva.
Nascida sem recursos, na brenha de mais difícil acesso, cegara ainda bebê.
Porém entre todos ali, é ela quem mais vê! O cheiro da chuva batendo no solo seco, esturricado, lança no ar o mais doce aroma que se pode desejar. E é nesse momento que ela mira o arco íris.
O cheiro sagrado da chuva carrega todas as cores do mundo na alma do sertanejo.
(Jessiely Soares)

Migração



O dia lá fora era evidentemente claro. Iluminado como as visões que sempre acometiam os seus dias: Esperanças.
Um novo chão a ser desbravado, longe das brenhas cinza do seu Sertão. Fugindo da fome estava agora embrenhado nas terras úmidas e secas do Norte, com todas as certezas voltadas para aquela terra inóspita, sem estrada e sem lei. Havia consigo apenas suas mãos e sua vontade.
Família deixada pra trás no casebre de pau a pique.
Filhos pequenos. O maior, ainda correra chorando e acenando enquanto pedia para que o painho não demorasse e não esquecesse de trazer na volta uma foto do rio. Queria muito saber como era um rio... Com água dentro.
***
Mãos enrugadas e calejadas. Filhos crescidos, carreira promissora: Médicos.
Hoje do sofrimento restam apenas marcas nas mãos e na pele, judiadas pelo Sol, pela enxada e pelos insetos.
Os grandes olhos ainda conservam o brilho de sertanejo, um pouco mais baixos, contudo, agradecidos pela força herdada na terra de seus pais, árida e seca a qual não mais pudera voltar. Ou não quisera.
Agora o vai e vem da velha cadeira de balanço embala o leve cochilo, enquanto o Sol arria no último monte azul avistável. E até lá, todas as terras são suas.
Só uma queixa povoa seus pensamentos: “Porque não ficastes para ver, Maria. Por quê?”
Enquanto a brisa sussurra um sorriso singelo.
(Jessiely)

Mutação





"... E não há melhor resposta
Que o espetáculo da vida:
Vê-la desfiar seu fio,
Que também se chama vida,
Ver a fábrica que ela mesma,
Teimosamente, se fabrica,
Vê-la brotar como há pouco
Em nova vida explodida;
Mesmo quando é assim pequena
A explosão, como a ocorrida;
Mesmo quando é uma explosão
Como a de há pouco, franzina;
Mesmo quando é a explosão
“De uma vida Severina.”
(Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto)


E o que brota no chão seco é poeira. Dessa poeira bravia, que assola o mundo de cinza e mancha as folhas grossas da Algaroba. O gado assiste a tudo, imparcial, na divina essência ruminante que transcende o entendimento humano. Seu desespero faminto é mascarado, até o dia em que, de tão magro, nem com o chocalho pode mais. Daí até a queda é questão de dias, horas.
Urubu, esse aproveitador de morte alheia, assiste a tudo feliz. Na verdade, deve ser esse o segredo da criação: a desgraça de uns alimenta a vida de outros. Já vi isso acontecer, em outros feitios.
Mas eis que a vida aqui, desfia de fato, seu rumo. Esse rumorejar dolorido, como pisar em caco de vidro, como se deixar entalar com o próprio ar que se respira, de tão ardente que é. De tão doloroso que é. De tantas vidas que traz dos lugares nos quais passa e dos aromas dos quilombos dos quais arrasta os espíritos injuriados atados ao tronco.
E de fato, segue-se por seguir. Anda-se por andar. Vive-se porque viver é mais forte. Morrer é descansar, simplificar demais. Se a barriga cresce é parido mais um filho pra esta poeira venenosa encalacrar e ver morrer, entre carcaça de gado e espinho de Aveloz.
Só a flor de cacto ainda espera pra brotar, enquanto assiste tranqüila ao uivar do vento em noite de lua, e de dia, padece sob as nuvens que passam ralas na copa azul do céu.
Enquanto a última enxada enferruja calada, escorada numa tapera, num canto. Entre barro seco e besouros.
Debaixo do Sol, com sede e fome, o sertanejo se metamorfoseia pra estar na terra. E da poeira demente, surge à cor da raça de sangue forte e olhos sofridos. A pele não interessa mais, a dor que sangra a carne opõe-se ao sonho de ser único... Por isso são irmãos, sangue engrossado na lida, na fome, na angústia. Vidas marcadas pelas mesmas mortes, dos mesmos filhos. As mesmas chagas.
Dói essa igualdade pela inexpressão. E esse é o batismo pela poeira.
A dilacerante mutação que sofre o homem para assemelhar à terra. Quem nela vive, não difere-se dela; questão de sobrevivência.
Inútil não acreditar, os filhos do sertão são cinza(s).


(Jessiely Soares)

Lágrimas Sertanejas



*

Sangrou a fé
que era pedra e espinho
na água da serra
que escorre em ruínas

________Na dor da mulher
________que rompe em prantos
________levando no colo
________a boneca, a menina

Chora o sertão
da morte constante
sem mais gado magro
sem som de berrante

________- se peixe, sem verde, sem flor adiante
________sem a reza pra virgem
________no alto do meio dia -

E a dor da fome
que um dia foi canto
morreu afogada
na chuva tardia



(Jessiely)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Atlas



O ruim de ter o mundo nas mãos é que há uma hora em que a gravidade age e as forças se vão.
Daí pra frente, tudo o mais é um encontro revolto de águas, um barulho doloroso de chuva e um raio fino de solidão que teima em estabelecer-se entre o fim da tarde e o começo da manhã.
Nessas horas, o perigo aumenta, há sempre vozes nos espelhos e vultos nos armários.
A angústia é a madeira do assoalho rangendo, o teto balançando com qualquer vento e tudo mais em murmúrio.
Os templos estão longe demais daqui.
Não avisto mais as ruínas.
Não há sequer quem devore meu fígado.
É quando todo o paraíso parece ópio. Quando todo medo parece fútil. Quando toda vida parece morte.
Todos os lagos não espelham mais o Céu e todas as bebidas do mundo não possuem efeito. Não, elas não me adormecem.
Nesses dias precários, não me acodem nenhum tango, nenhuma melodia... Nem soa mais a tua voz.
E perco, subitamente, o meu último risco. Do corpo inerte, despede-se o último sopro de humanidade convertido em sal.
Tudo está consumado. Caiu-me o mundo das mãos.
Sou mortal, novamente.



(Jessiely Soares)

terça-feira, 25 de março de 2008

Antigas Visões


Eu apenas consigo, de forma dolorida e silenciosa, prever a cor que brilha lá fora, naquele azul profundo e espalhado, indiferente e superior a tudo, que se joga por trás da torre da igreja do meu pequeno vilarejo.

E no mais, sou apenas um complemento ao equilíbrio satisfatório da luz rarefeita entre uma torre, uma serra e uma floresta de eucaliptos.
Que seja.
Sou o último pensamento no pequeno espaço azul, entre a brecha de uma porta e a vida, ávida, que se descortina além do olhar abstrato. Como uma criança recém apresentada ao mar e a primeira onda que baila afoita entre os dedinhos curiosos. Como o primeiro vôo da andorinha e o último do Beija-Flor. Como o extremo limite do desejo, como o fato consumado, como o passado, como o que não tem volta.
Como o tempo que se perde com o medo.

Como o primeiro amor, para uma vida inteira, que é seguido sempre por tantos amores para uma vida inteira. Porque tudo é sempre definitivo, quando se tem a idade dos sonhos impregnada na tez e na íris.
E tudo que se escreve entre linhas paralelas fica solto entre duas paredes eternas, fixas e cravadas, no mais íntimo desesperar do peso da escravidão.

Liberdade não se consegue com a pena. Palavras só voam quando têm asas ilusionistas. Sendo assim, nada mais me move entre dois mundos, sou desejo renitente lapidado por mil muralhas de pedras e lágrimas... E todas as manhãs, eu não levanto. E todos os dias eu não pergunto se espalharei algum verde-mar por entre olhos alheios. E todos os dias eu não sei por que persisto em tentar o que não poderei conseguir.

Na verdade, não desejo saber as razões pelas quais sou movida.
A Era do conhecimento passou a anos-luz do meu caminho. Não espero mais que a certeza dos meus passos na hora do medo do escuro.
Isso! Não sou mais que retalhos e antigos fósseis de civilizações passadas, versos extintos. Posso, ainda assim, ver fenecer todos os espíritos que trago comigo, como em um furacão ou num raio avassalador, e ainda dessa forma, não serei potencialmente sozinha. Padecerei, sim, nesse dia, de mil ilusões, acompanhada, abraçada e desejada por seres invisíveis que passeiam solenes pelos corredores estreitos de artérias que formam a casa habitada por deuses nus, que bebem vinho, dentro de mim.

Conseguirei então, após séculos, pintar as antigas visões naquele azul profundo, descortinado entre as serras e os meus segredos mais contidos. Num ciclo de neve e fogo, que se situa um pouco mais além da minha visão.

Verei tudo enquanto o tempo voa breve por debaixo dos meus pés.
Estarei, enfim, em paz comigo.
(Jessiely Soares)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Hoje decidi sentir saudades


Hoje eu decidi sentir saudades. Decidi. Pelo puro prazer de sentir o nariz quase queimar, quando as lágrimas vêm-mas-não-vêm, na profunda melancolia de uma face entristecida.
Mas fui eu quem resolveu sentir saudade, pelo próprio risco desse sutil desespero. Da mesma forma de quem sai com os pés descalços, no meio de temporal, só pra ter a sublime aflição de que um raio possa cair bem perto. Ou pelo impulso quase insano de comer muito chocolate, e dizer a si mesma que algo bom acontecerá no centro do córtex cerebral, e, que, a Adrenalina se elevará e a ocitocina vai fazer a “batucada dos apaixonados hormônios”. E com todas essas vantagens, de nada valem as calorias ingeridas. A desculpa vale pelo sentimento do erro justificado. E como faz bem (e mal) esses justificáveis erros.

Saudade também é mastigável, quase comestível.
Solidão é coisa que se aprende a ter. Saudade não, saudade é algo que se cultiva na pele, na íris.
Por isso, hoje, não acordei já sentindo saudades. É madrugada, e de repente, pulei dos braços carinhosos de Morfeu e escolhi impetuosamente, padecer de uma tristeza doce. Juntei as fotos, aquelas do álbum com capa de papel reciclado, e espalhei-as sobre o tapete. Fiz quebra cabeça do teu rosto... Separei pedaços pequenos de papel branco e desenhei, em cada pedacinho, um resquício do teu sorriso. Os teus olhos eu fiz de contas, coloridas, por não ter aqui a exata cor sublime que se espalha pela tua íris incandescente, que permanece num eterno questionar de decisões. E indecisões.
Reabri os nossos livros, escancarei-os, (antes não o faria para não desperdiçar teu cheiro) e passei angustiada, página por página, absorvendo o pouco que restara do aroma de tuas mãos. Muito se perdeu na poeira das memórias, e outro tanto, está mortalmente soterrado embaixo de camadas de mofo, que se instalaram sem minha permissão na seqüência das recordações. Mas, não desisto. Eu ainda quero sentir mais e mais dessas ausências maltratáveis.
Rabisquei teu nome nas portas do armário novo com o meu batom mais vermelho.
Declamei poesias, com teu sotaque explícito, no meio da sala de estar.
Vesti-me de melancolia e dancei, abraçada com o vento, o primeiro maracatu que consegui lembrar... E percebi que as mãos eólicas são frias no meio da madrugada fugaz.
E quando a dor, lascivamente, rasgou a camisola das minhas agonias, pude enfim dormir. Como se a saudade fosse um cachorro mansinho, que dormisse sorrateiro, ladrando baixo, breves sonhos ao pé da minha cama.

E reencontrei com o vento, os maracatus, os poemas e sorrisos. E nada mais doía

Mas, não fui sua nessa noite. Fui minha, toda minha. Fui o que desejei ser, fui saudade. Dolorosa e insana, como deve ser essa sensação destruidora de que falta a própria metade.

Só.



(Jessiely Soares)

domingo, 20 de janeiro de 2008

Ciclos



*

O Sol subiu lento na enseada, inundando de luz as sombras. Astros reluzentes nessa hora são apenas pontos perdidos e sem cor.

Imagino-a: Passos mais lentos, mãos mais enrugadas. Dentro de si, os pensamentos velozes, misturados, completos.

Estrelas cadentes espelhadas em grandes guarda-sóis, desenhos de luz espalhados pelo chão, chamas que crepitam errantes nas velas do altar e seus santos de barro e gesso.

Ela, anos em rosto de anjo pálido, um corpo que pesava mediante a gravidade, cansado de juntar pedras dos descaminhos, que relutava em se entregar... Mas era hora, precisava.

Foi uma boa caminhada. Escreveu sim, seu livro. Fez, sim, muitos acordes no piano e tocou, apesar de tardiamente, seu violino.

E teve um grande amor. Um amor desses escritos à pena em livros de páginas já amareladas com grandes capas de couro marrom, marcado por rasgos, indescritíveis marcas da idade, como orgulhosos e velhos carvalhos.

Seus filhos cresceram. Os olhos que choraram muitas madrugadas febris vislumbravam-nos adultos. Sérios.

Agora, era ela.

E ele, que ainda dormia o sono dos justos.

Mas agora... Maldita sabedoria acumulada de seus avós, que permitia saber o gosto da hora final.

Sob a sombra da varanda mantinha o diário de cetim já desbotado entre as mãos. Os canteiros, que tinham nomes próprios, olhavam-na. Com a suprema inércia aparente das plantas, choravam orvalho entre flores e abelhas.

A última linha. O último gesto e o último passo.

O último suspiro de vida e o último nascer do Sol.

Ele sentiu a falta dela na cama.

Sendo assim, conseguiu, cuidadosamente, ainda beijar seus lábios, enquanto quentes.

Depois, guardou seu diário rosa, com capa de cetim desbotado, que continha sua última frase “Queria tudo outra vez...” na primeira gaveta do velho criado-mudo de cerejeira. Ali descansava o velho álbum, de páginas já amareladas com capa de couro marrom que denotavam o peso dos anos, cheio de relíquias e fotos de uma jovem com vestido branco e flores nos cabelos e de um rapaz com rosto ansioso no dia de seu casamento. E ao seu lado, aninhavam-se as fotos dos filhos abraçados à irmã mais nova, que ostentava a barriga de seu último mês de gestação.

Fechavam-se uns olhos cansados.

Mas recomeçava-se o ciclo.

(Jessiely Soares)